A GUERRA AOS TRAFICANTES
UMA ANÁLISE DO CUSTO HUMANITÁRIO DA POLÍTICA ANTIDROGAS
DOI:
https://doi.org/10.25192/issn.1982-0496.rdfd.v27i22256Resumo
A pós-modernidade acentua a alteridade e representações de insegurança, fortalecendo o populismo punitivista. Uma das áreas críticas dessa expansão é a política criminal antidrogas. Segmento doutrinário tem apontado a ineficiência e ilegitimidade desta política, além de seus efeitos reversos para as políticas de atenção à saúde e para a cidadania de grupos socialmente marginalizados. Esse trabalho tem o objetivo de analisar os custos humanitários associados à política criminal antidrogas e se eles se justificam à luz do paradigma constitucional brasileiro. Quanto à metodologia, utiliza-se do raciocínio indutivo com uso de revisão bibliográfica em periódicos (Qualis A1) dos últimos 5 anos e de decisões judiciais sobre o tema. Demonstra-se como a política criminal antidrogas é uma manifestação autoritária de direito penal do inimigo, fundada na lógica do direito penal de autor, tratando os traficantes de drogas como “não-pessoas”. Avalia-se o impacto desta política no truculento panoptismo da atuação policial em áreas socialmente periféricas, promovendo o racismo institucional, a superpopulação carcerária e os associados problemas humanitários. Discute-se o efeito desta política no próprio fortalecimento do crime organizado que busca combater. Conclui-se quanto à violação ao princípio da proporcionalidade na ponderação do custo-benefício da política criminal antidrogas, apresentando-se propostas para um realinhamento ao sistema de garantias fundamentais da intervenção punitiva.
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