Editorial
Resumo
Prezadas Leitoras, Prezados Leitores!
A relação entre direitos fundamentais e democracia tem na estabilidade do sistema político um pressuposto fundamental. Nesse contexto, o debate sobre a legitimidade do exercício do poder político é um tema intrínseco aos objetivos da Revista Direitos Fundamentais & Democracia – RDFD.
Desde o ano de 2017 a RDFD tem publicado artigos sobre a temática do impeachment. Em particular, no número 1, do volume 28, do ano de 2023, o de Letícia Regina Camargo Kreuz, intitulado “Impeachment como jogo duro constitucional: da responsabilização à remoção de governantes indesejáveis”. Neste terceiro número do vol. 29, Almir Megali Neto e Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira contestam as conclusões a que chegou o artigo de Letícia Kreuz. No texto “Por que o Impeachment da Presidenta Dilma Rouseff não pode ser considerado um caso de jogo duro constitucional? Uma resposta a Letícia Kreuz”, os autores sustentam, dentre outros argumentos, que não pode haver legalidade sem legitimidade, pois ambos os conceitos se encontram no âmbito do direito positivo, ou seja, são internos ao direito, não sendo o caso de se classificar um ato político como legal, porém ilegítimo. Para os autores, jogo duro constitucional se configuraria quando um Presidente tem conduta tipificada como crime de responsabilidade, a qual, em momentos anteriores, foi tolerada pelo Congresso Nacional. No entanto, no contexto de acirramento de ânimos entre as forças políticas, a deposição do Presidente se justificaria. Essa, porém, não seria, para os autores, a realidade de 2016, visto que o crime de responsabilidade não se configurou. Para os autores, não há como equiparar impeachment com crime de responsabilidade, e impeachment sem crime de responsabilidade.
Considerando as consequências de 2016 para o desenvolvimento do direito constitucional brasileiro, a polêmica aqui instalada demonstra maturidade da academia constitucional brasileira. Os dois textos, muito bem formulados, abordam, sob perspectivas diversas, um tema que é muito caro à democracia brasileira. A RDFD se orgulha de veicular esse debate deixando em aberto o espaço para eventual réplica.
Ainda no contexto da legitimidade do exercício do poder político, o artigo de Bruna Gomes Müller e Edson Vieira da Silva Filho aborda o papel do Estado na democracia deliberativa de Jürgen Habermas. Por sua vez, o tema da desobediência civil é enfrentado por Alexandre de Castro Coura, Daury Cesar Fabriz e Gisele Souza de Oliveira no artigo intitulado “Oposição ao resultado das urnas e desobediência civil. Uma análise do caso brasileiro à luz da teoria de Jürgen Habermas”. Segundo os autores, a desobediência civil é um mecanismo necessário para a atualização dos conteúdos do Estado Democrático de Direito, realizando um importante contraponto à tendência de fechamento dos centros de decisão política por meio da ativação da voz daqueles grupos que estão na periferia do poder. Os autores concluem, no entanto, no estudo de caso realizado (as manifestações nos acampamentos da base bolsonarista em torno dos quartéis do exército), pela impossibilidade de enquadramento de tais manifestações como atos de desobediência civil. O artigo de Lucas Moreschi Paulo e Mônia Clarissa Hennig Leal examina os principais argumentos do autor neozelandês Jeremy Waldron sobre as bases fundacionais da revisão judicial das leis e as questões empíricas e teóricas a respeito de temas a ela conexos, tais como a democracia, o constitucionalismo e o protagonismo do Poder Judiciário. O texto verifica em quais termos ocorre a revisão judicial de atos normativos pelo órgão ápice do Poder Judiciário no Brasil. Ralph Andé Crespo e Vitor de Moraes Peixoto analisam a credibilidade institucional da governança eleitoral brasileira. Segundo os autores, o modelo de governança eleitoral brasileiro é classificado como independente-especializado. Desta forma, entende-se que o Organismo Eleitoral brasileiro (Justiça Eleitoral) não é vinculado ao Poder Executivo e seus membros não possuem vínculo com partidos políticos. Este é o modelo que apresenta maior credibilidade institucional nos países onde é adotado. No entanto, pesquisas recentes mostram um aumento na desconfiança e diminuição da credibilidade na governança eleitoral, muito em função de ataques e desinformações que a instituição vem sofrendo nos últimos anos. Por fim, Chaiene Meira de Oliveira e Rogério Gesta Leal abordam a descentralização do controle das políticas públicas no Brasil como uma forma de gerenciamento de riscos e prevenção da ocorrência de atos ilícitos. Para os autores, a descentralização dos instrumentos de controle, bem como a comunicação entre os entes da federação e a cooperação entre os agentes controladores é fundamental e deve ocorrer em todas as etapas do ciclo das políticas públicas como forma de evitar a ocorrência de irregularidades e buscar a obtenção de melhores resultados em sua execução.
A proteção dos direitos humanos pelo Sistema Interamericano de Direitos Humanos é o campo de reflexão de dois artigos do presente número da RDFD. O artigo de André de Carvalho Ramos e Denise Neves Abade enfrenta o tema da subtração internacional de crianças e a celeridade na cooperação jurídica internacional de restituição, a partir do caso Córdoba vs. Paraguai, refletindo sobre a realidade judicial brasileira sobre a matéria. Segundo os autores, a falta de celeridade processual nesse caso julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos – CIDH gerou graves violações ao direito à convivência familiar e ao cumprimento de decisões judiciais, prejudicando o vínculo entre pai e filho. Considerando recente decisão do Superior Tribunal de Justiça – STJ, ponderam os autores que, apesar do avanço trazido pela edição da edição da Resolução n. 449 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, a decisão do STJ demonstra ainda a resistência judicial em cumprir o dever de celeridade na cooperação jurídica internacional de restituição de crianças no Brasil. A pesquisa conclui que a aplicação eficaz da Convenção de Haia exige um procedimento judicial ágil e cooperação internacional eficiente para evitar danos à família e desestimular a abdução e alienação parental. Por sua vez, o artigo de John Fernando Restrepo Tamayo, Juliana Sinisterra Quintero e Elkin Centeno Cardona analisa a Sentença Montesinos Mejía vs. Equador da CIDH, argumentando acerca da obrigação dos Estados Partes do Sistema Interamericano de Direitos Humanos de respeitar as obrigações indicadas na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e a ratificação interna no direito constitucional através do controle da convencionalidade.
O tema dos direitos fundamentais das minorias encontra-se em dois artigos do presente número. Marcelo Pagliosa Carvalho aborda a garantia dos direitos humanos da população negra a partir da relação entre direito e racismo. Para o autor, a falta de combate efetivo ao racismo estrutural, isto é, ao racismo nas relações políticas, econômicas, jurídicas e socioculturais, impede o pleno gozo dos direitos humanos às pessoas negras no Brasil. Segundo ele, as instituições do Estado, especialmente o Poder Judiciário, devem estar aptas a identificar e combater práticas, hábitos e mentalidades que seguem permeadas de racismo. Shyamtanu Pal propõe a legalização da prostituição na Índia como uma resposta estratégica aos crimes de gênero no país. Tomando como inferência a teoria jurídica feminista e o ângulo dos direitos humanos, o autor se propõe a examinar criticamente a lacuna entre a estrutura legal, a atitude social e a realidade prática que indica a necessidade de uma mudança de paradigma da condenação moralista conservadora para uma abordagem aberta baseada em direitos. O artigo de Pal foi tema da palestra que o autor proferiu no Encontro das Quintas-Feiras, do Programa de Pós-Graduação em Direito do UniBrasil, no dia 26 de setembro de 2025.
O tema da violação de direitos elementares é enfrentado no artigo de Anastásio Miguel Ndapassoa intitulado “Acesso à água potável como um direito humano fundamental: o caso de Moçambique”. Partindo do pressuposto de que a água é um recurso natural, universal e indispensável à vida humana, o autor aborda o acesso à água potável em Moçambique, retratando a dificuldade da população mais humilde dos centros urbanos em pagar pelo consumo da água. A mudança do Estado provedor para o Estado empresário, em Moçambique, tem limitado o livre acesso à água potável. De igual forma, o tema da miséria é enfrentado no texto de Tais Dórea de Carvalho Santos intitulado “A exploração de desespero: miséria, Constituição e justiça social no Brasil”. Para a autora, analisando a história brasileira fica evidente que a miséria sempre existiu e que os grupos que permanecem no poder conseguem se perpetuar justamente na exploração do desespero dos que não possuem direitos mínimos, ainda que estes sejam universais, como previstos na carta política, sendo a justiça social uma utopia e não uma finalidade em que o Estado se dedique a alcançar.
Desejamos uma boa leitura!
Curitiba, 21 de abril de 2024.
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